Passados alguns anos, já com a vida mansa, o antigo pobretão, no interesse de cada vez mais aperfeiçoar sua arte, tomou a iniciativa de ir morar numa cidadezinha quase que desprezada no agreste, era ele ali, o único barbeiro. Por não haver concorrente, Mané não ligava muito para seus utensílios e na barbearia higiene que é bom não tinha de jeito nenhum. A cadeira era feita de tábua de caixão de gás e a parte onde os fregueses sentavam-se, era coberta por um pedaço de couro de boi estragado pela falta de gosto do proprietário. Quando as pessoas sentavam-se para aparar os cabelos ou fazer a barba, ficavam sem nenhuma proteção. O espaço entre o fundo da cadeira do barbeiro e o chão onde estava apoiada era ocupado por uma gata de raça angorá que somente saia dali quando procurava o telhado da casa para fazer serenatas em companhia do bichano da vizinha. Duas vezes por ano, o animal dava de presente a Mané Grandão 8 ou 10 lindos gatinhos.
As ninhadas de gato causavam incomodo aos aos fregueses quando sentavam-se na cadeira para serem atendidos. Certa feita já na hora de fechar a barbearia, chegou um cliente e ao sentar-se pediu ao barbeiro para dar pressa no trabalho porque precisava viajar e o tempo não lhe permitia demorar. Acontece, que esse freguês, começou fazendo careta todas as vezes que Mané encostava-lhe a navalha no rosto. Meio encabulado, Mané perguntou:
- A navalha está ruim?
- Não senhor, está boa até demais. Acontece, que o fundo da minha calça está rasgada e os gatinhos estão passando as unhas em lugar que eu não tive o cuidado de esconder.
Em meio às coisas boas e ruins que aconteciam na vida de um fígaro de cidade pobre, Mané ia vivendo como Deus queria. De outra feita, o sargento Delegado da cidade ao passar pela frente da humilde barbearia, resolveu fazer a barba. Como tratava-se de uma autoridade, Mané dobrou o cuidado no trabalho que realizava, pois, Delegado de Polícia em cidade do interior é tratado com mais carinho do que filho de família rica. Mané pôs no rosto da autoridade uma certa quantidade de sabão amarelo e depois de ensaboar bastante o rosto do delegado, abriu uma gaveta e retirou dela uma pedrinha arredondada mais ou menos do tamanho de um ovo de galinha e introduziu-a na boca do militar, na parte de dentro da bochecha tendo a pedra formado uma saliência que permitia a navalha correr sobre o rosto com maior suavidade sem o empecilho das rugas. Terminada a operação de escanhoamento, e ainda, com o rosto cheio de pó o sargento pergunto ao barbeiro:
- Seu Mané, essa pedrinha que o Sr. colocou na minha boca é encontrada aqui mesmo na região?
Mané Grandão fez ares de quem está engasgado, e depois de algum tempo respondeu:
- Não é daqui seu Sargento, ela vem de muito longe e é difícil de ser encontrada. Esta que coloquei na boca do senhor, semana passada foi engolida por João Carcereiro, e a minha sorte foi que no dia seguinte ele veio me trazer...
*José Rodrigues da Silva / Professor, jornalista e historiador / Garanhuns, 17 de Abril de 1982.
Foto: Garanhuns, PE - Barbeiros trabalhando na feira livre em 1942. Créditos da foto: Benício Whatley Dias / Acervo: Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ).
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