O que passamos a descrever, aconteceu com um poeta que aqui demorou ao tempo da nossa infância quando, certa vez, glosando um mote que lhe demos, empolgou a todos os presentes. Naquele tempo ainda não havia os cafés, e os que não tinham muito o que fazer se reuniam nos pequenos estabelecimentos comerciais chamados bodegas. Quando, certa vez nos dirigíamos ao centro da cidade notamos que num daqueles estabelecimentos, um maior número de pessoas do que era comum se observar, e para saber do que se tratava para lá nos dirigimos. Ali encontramos o poeta que empunhava um copo, já vazio da aguardente servida a pequenos goles, após cada glosa, e pedindo outros motes para glosar. Então, nos dirigimos ao poeta, com o espanto da assistência, por se tratar de uma criança de doze ou treze anos de idade e demos por mote: "O feitiço de Garanhuns", para por ele ser glosado.
O poeta, admirado da nossa - que ele chamou - petulância, nos mostrou o copo vazio. Naqueles tempos se enchia um copo de aguardente com a quantia de dois vinténs - atualmente quatro centavos - pois uma canada de aguardente (oito garrafas) custava em nossa moeda atual quarenta centavos. E para rechear aquele copo, naquele momento, disponhamos até de maior quantia. Pagamos os dois vinténs ao bodegueiro que logo encheu o copo, mesmo na mão do poeta e, como todas as pessoas que ali se encontravam, ficamos esperando pela glosa. O Poeta, começou por repetir o mote várias vezes e por isso já havia quem estivesse supondo que ele se havia embatucado, porém o repentista iniciou recitando, pausadamente, cada verso, sob absoluto silêncio da assistência, o seguinte:
"Lá na serra da Caiçara
Encontrei três mil macacos
Mil e oitocentos cassacos
E duzentas capivaras
Duas mil e dez araras
Mil e quinhentos mutuns
Seiscentos e vinte anuns
Dois mil porcos em um bando
E todos iam gavando
O feitiço de Garanhuns".
Os aplausos foram retumbantes. O Poeta, depois de sorver quase toda a aguardente e jogar fora o que restava, encurvou-se para receber o nosso abraço. Só nos pesa não termos tido o cuidado de saber e anotar o nome do glosador. Também, como criança, no momento, só nos interessou o que se referiu ao torrão querido. (Fonte: História de Garanhuns - Alfredo Leite Cavalcanti (foto) - Volume II - Garanhuns, Fevereiro de 1973. Acervo: Memorial Ulisses Viana de Barros Neto).
Nenhum comentário:
Postar um comentário