Neide de Oliveira Tavares*
Voltando a percorrer as ruas da cidade, eis que chego à Rua do Recife - (elegantemente chamada de Rua Dr. José Mariano), na década de 50, para ali residir com a minha família. Moramos na casa 507, permanecendo na mesma durante 14 anos. A Rua do Recife (assim apelidada por ser passagem de veículos que partiam para a Capital) é por antiguidade e merecimento, a rua do meu coração, pois já voltei a morar aqui por mais três vezes e somando tudo, são mais de trinta anos.
Quando aqui chegamos, ainda não completara cinco anos de idade e fui estudar na escola particular de D. Albertina Moraes. Mestra famosa de tantos outros da minha idade e que ainda hoje moram em Garanhuns. A escolinha era localizada nessa rua, na esquina do Colégio Santa Sofia, posteriormente farmácia do Seu Severino, cidadão que receitava a todos que o procuravam especialmente os moradores dos sítios. Atualmente abriga loja de confecções. Pelas mãos de D. Albertina passaram naqueles tempos, os meninos Godoi, as meninas Machado (uma delas casada com um dos integrantes do Quinteto Violado), os meninos de Seu Campos: Elza, Roberto e Fernando, as meninas Vaz da Costa, as meninas de Seu Ezequiel e tantos mais que não lembro o nome.
Na adolescência, ficávamos nas calçadas ou janelas até tarde, vendo todo um desfilar. Os amigos que passavam para casa ou para o comércio sempre a pé, pois quase ninguém possuía carro. Os internos do Colégio XV, que iam ao cinema; as meninas do Santa Sofia aos domingos; os jovens Seminaristas que frequentavam a Catedral; o Tiro de Guerra com os seus soldados para as marchas; os internos do Diocesano que iam passear no Parque Euclides Dourado; os frequentadores da Igreja Batista para os cultos e entre eles, nos chamava a atenção o par formado por Seu Frias e D. Ester, ele por seu porte elegante e ela pela vivacidade no andar; os cavalos de Seu Sofonias, que iam correr no Prado, lustrosos e bonitos e que viviam no enorme quintal da sua casa. E que dizer dos vendedores de frutas, geralmente habitantes do Castainho, que todo momento nos ofereciam o que havia de melhor nas suas plantações? Ainda hoje parece que estou ouvindo os pregões de todos os tipos de produtos: "Tapioca de coco! É de coco mesmo!" "Sooorvete!" "Quer comprar goiaba?". À noite, as pessoas desciam para os cinemas Jardim e Glória e às vezes me deixavam com uma ponte de inveja, porque por uma razão ou outra, eu não podia ir àquela sessão e perdia o tão comentado filme da semana, programa por mim mais cobiçado.
Muitos colegas do Colégio Santa Sofia eram nossas vizinhas e ainda lembro de: Sílvia Branco, Ângela Rodrigues, Mônica Romero e Marinalva Teixeira (na ruazinha que desce de Igreja Batista), Rosa e Vera Lúcia, filhas de D. Carmen e outras mais. Entre a vizinhança adulta estavam as famílias de Seu José Bento (que consertava os nossos sapatos); Dr. Urbano Vitalino advogado, Seu Sofonias com a venda de farinha de trigo, Seu Taufik, comerciante; Seu Espiridião Falcão do Foto Art Stúdio, pai de Elvira que se tornou minha amiga quando passei a estudar no Colégio Quinze, fase de encanto maior da nossa existência; D. Luzinete Rodrigues e D. Helena Martorelli, que tanto nos ajudaram tão solidárias na madrugada fria e triste em que o meu pai faleceu. Também a família de Seu Cordeiro, Seu Cassiano, Mariinha Leite no seu casarão antigo, Seu Correia e D. Dorinha, muito amiga nossa. Vale ressaltar que a sua casa permanece inalterada, lembrando os velhos tempos em que foi construída. Bem pertinho à nossa casa residia Seu Bonzinho e D. Vicência, já bem idosos e ao lado deles Seu Pedro Lima. Gostava de apostar com meu irmão como passaria perto do casal e dizia: "com licença. D, Vicência". Só para ouvir soar a rima. Havia ainda as famílias de Dr. Celso Galvão, José Ovídio, Régis e Ismael Tinô, que faleceu no mesmo dia que o meu pai.
Apesar de gostar tanto da Rua do recife considero-a (perdoe-me) ingrata para com seus moradores. Hoje é uma rua descaracterizada, sem personalidade arquitetônica, pois foram destruídos os seus antigos casarões, dando lugar a prédios que nada dizem da época em que foram construídos. Ao mesmo tempo expulsa e oprime os seus moradores com a abertura de bares cheios de barulho, estabelecimentos comerciais aqui e acolá, tornando inconveniente aos remanescentes que aqui permaneceram. Heroicamente vamos resistindo ao lado das famílias de Socorro Monteiro, Nair Siqueira, José Bento, Isaura Medeiros, Seu Cordeiro e outros daquela época que teimosamente continuam amando esta rua cheia de história e de saudades. História que aqui não cabe, daria então um livro.
Em tempo:
O Dr. José Mariano, foi abolicionista da escravatura. Ao lado de Joaquim Nabuco e outros, fazia parte do Clube do Cupim, criado para defender os negros fugidos da mão dos seus senhores. Foi também grande chefe político nos bairros de Areias, Barro e Tejipió. Na cidade do Recife foi homenageado dando nome ao Cais no bairro da Boa Vista.
*Neide de Oliveira Tavares é jornalista, escritora, historiadora, cronista e professora. Crônica transcrita do Livro "Lembranças de Garanhuns e outras mais". Ano 2014.
Clique aqui e saiba mais sobre o Dr. José Mariano.
LINDO COMENTÁRIO, PARTE DE MINHA INFÂNCIA FOI NA PRAÇA DOM MOURA,CONHECI BEM A RUA DO RECIFE E ALGUNS PERSONAGENS CITADOS. RESTA SAUDADES DAQUELA ÉPOCA!
ResponderExcluir