Assim vou, neste paço. Entre um dia e outro, com acentuado cansaço das coisas, a necessidade de fixação em pessoas, em fuga de outras; o imperativo de ádito isolamento. Tenho várias coisas iniciadas, dolorosamente inacabadas. Uma busca de ser, integral e uno, o balanço negativo feito: a incompletude evidente.
Domingo passado, por exemplo, não cumpri um roteiro: o ir a Candeias. Lembrei que, numa carta tarde germânica, estava eu, em Bonn, visitando a casa (que hoje é Museu) onde viveu o imenso gênio da música de todos os tempos.
Ora - direis - qual a afinidade entre Candeias e Beethoven? E, parcialmente, concordo. Nenhuma e muita, sob contradição imagética. Candeias - um mítico mistério meu que irrevelo, nestas crônicas - Candeias é o território onde, por vezes, habito. Chego ali sempre sozinho ou - como diria Fernando Pessoa - com os comigos de mim mesmo.
Navego, em Candeias, o que não tenho sido, o que fui e, desesperadamente, o que jamais serei. Levo os meus instrumentos: um certo desencanto, uma inseparável tristeza, o sabor de procura, de busca.
Sem ter fórmulas matemáticas, nem receitas domésticas, sequer, tento a solução (impossível) dos meus problemas íntimos, olhando o mar que, liquefeito, caminha em direção ignota. Candeias, pois, que me perdoe o não ter ido vê-la, nesse domingo que passou.
Neste meio de ano sinto-me também dividido: seis meses já vividos e a incerteza de suportar os outros seis.
De casa, neste meio de ano, tenho saído menos frequentemente. No convívio dos meus livros e das minhas músicas. Não consigo, porém, sair de dentro de mim mesmo, enconchado que sou. (Algumas vezes, em brusco desespero, procuro a chave que, hermeticamente, fecha a porta de mim mesmo. Tento sair, pular por uma das janelas; e, não raro, me acidento).
Dirijo, pois, a Candeias - minha irmã - o pedido de desculpas, por não ter ido vê-la, no domingo que passou.
O mar não envelhece, não tem rugas na face, há sempre um renovar na formação estrutural das ondas, o vento é sempre menino recém-nascido, as aves marinhas não são as mesmas, o sol (re)surge cada dia mais rubro da placenta matinal atlântica do horizonte. Eu, porém, em mim sinto um crescimento envelhecer. E contribuo, com o meu cansaço e o meu desencanto, para um talvez frio e calculado fim.
Embora, em Candeias, o mar não envelheça. Ou tenhamos de dizer, como no poema de Natal, de Vinicius de Moraes:
"Hoje, a noite é jovem: da morte apenas nascemos imensamente".
Recife | Ano 1985.
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