Um Homem Plural - Estamos roubando do eminente mestre e amigo escritor Nilo Pereira, a expressão "homem plural", que ele costuma usar em seus escritos para designar pessoas inteligentes e de múltiplos afazeres.
Queremos aplicar a designação na sua inteireza, ao engenheiro Ruber van der Linden, um Garanhuense de boa cepa.
Filho do Sr. Joaquim van der Linden, ou melhor do "velho van der Linden", como o tratavam normalmente, inteligente e arguto guarda-livros, professor de várias gerações de profissionais do ramo, Ruber van der Linden, de avós holandeses radicados em Pernambuco e Bahia há muitos anos, era uma inteligência privilegiada, aliada ao senso incomum de ação comunitária.
Defensor intransigente dos assuntos de sua terra natal, vamos encontrá-lo integrando a direção da Empresa de Melhoramentos de Garanhuns, ao lado de Ivo Rangel, José Almeida Filho e José Luna. Ruber van der Linden, foi um dos mais eficientes dirigentes no sentido de dotar a cidade de um bom serviço de iluminação elétrica, água e telefones.
A par dos seus conhecimentos técnicos, sabia ser quando necessário fosse, geólogo, poeta, caricaturista, pintor e jornalista, estando sempre pronto a atender qualquer convocação, sobretudo, onde necessário fosse defender os interesses de Garanhuns.
Os dois números do Almanaque de Garanhuns, dos anos 1936 e 1937, edição da Livraria Helena, tiveram todas ilustrações originais da sua autoria, usando o pseudônimo de R. Linden.
A edição de 1936, aliás o primeiro número do Almanaque, na edição da Livraria Helena, do livreiro Félix Rui Pereira, pois em 1930, Ildefonso Lopes e Thiago Velloso, publicaram também um Almanaque em edição própria, encontramos um artigo sob o título "Os Bambas", da autoria de Carlos Fradique, pseudônimo que acreditamos ser de Miguel Jasselli, palmeirense, professor de humanidades, teatrólogo e pastor presbiteriano, fazendo os perfis dos jornalistas de Garanhuns, destacando Luis Schettini, José Francisco, Morse Sarmento Pereira de Lira, João Domingos da Fonseca e Amadeu Aguiar.
Sobre Ruber van der Linden, o articulista, depois de justificar o título do seu artigo de "Os Bambas", escreve:
"À pressa, sem acento, e possivelmente sem graça, um jornalista aposentado por temor ao regime do óleo de rícino para a imprensa em vésperas de execução, traça os perfis dos homens que fazem jornalismo atualmente em Garanhuns.
Aliás, o termo perfil, vai como simples força de expressão. O que se diz dos nossos jornalistas está longe de ser contorno de suas intelectuais visto de um lado.
Aqui ficam umas pinceladas dadas a esmo, à vontade do corpo. Um pouco do homem, ligeiras referências ao artista da palavra escrita, algumas censuras amorosas e conhecidas atitudes mentais, uns defeiros a corrigir postos à mostra e (chama, antes que te chamem) umas graças de malícia. Mas isto é perdoável. Justifica a filosofia das nações - "o teu pior inimigo é o oficial do mesmo ofício".
Dei a frioleira o nome que ela merecia, nome que da gíria carioca passou aos nobres salões brasileiros - Os Bambas.
Agora, deixem que eles passem em revista cinematograficamente.
"Ruber van der Linden saindo dos departamentos de suas especialidades - agronomia e eletricidade - explora na imprensa um gênero em que é, ao meu ver, incomparável - o humorismo.
Escreveu, por volta de 1931, no Diário de Garanhuns, uns artigos humorísticos que fariam rir aqueles célebres frades de pedra.
De tal documento humano, pouco poderá esperar a imprensa de Garanhuns. Mas se ele quisesse, que ótimo discípulo teriam aqui os mestres de humor!
No jornalismo indígena ainda existem outras figuras exponenciais que vão de Ariel - gênio sutil dos ares, a Lusbel - espírito irrequieto das trevas. Deles direi oportunamente.
Tudo tem o seu tempo, diz o grave senhor todo o mundo".
Na "Revista de Garanhuns", em seu úmero 3, sob o título de "Garanhuns Histórico", com ilustração de sua autoria, Ruber van der Linden, diz sobre a "Pedra do Navio", o seguinte:
"Quem desce, em desfiladeiros abruptos, a escarpa ocidental da Serra de Garanhuns, em breve atinge à orla do deserto. A flora viridente da mata sucede, numa mutação brusca, a vegetação caótica do sertão.
Enlerda o caminheiro o avanço torturante no areial combusto; ofusca lhe o reverbero dos quartzitos lampejados; hesita-lhe o martírio da canícula e atormenta-o a agressão selvática dos cardos. Antolha-se lhe, em breve, uma visão inesperada. Um horizonte baixo e monótono. O olhar fatiga-se na contemplação de um areial infindo, inóspito e deserto. Leito detrítico de um mar geológico que, em milênios idos, aluara, ali, as vagas altaneiras, solapando em "falaises" a aba das serranias, e de que, agora atesta-lhe a memoria os detritos de sua fauna fossilizada, nas depressões do granito.
Nesta miragem retrospectiva, aviva-se a imaginação num detalhe inesperado: uma nave de granito, desarvorada, em evidente e encalhe posta a seco, num preamar que se eterniza.
É a Pedra do Navio.
A Pedra do Navio é um mole de granito, de caráter errático, polida e esboroada pela ação lenta das águas, num esquisito perfil de velho galeão desarvorado. Admira-se a perfeição caprichosa de suas linhas de prôa e quilha e o realismo do seu encalhe no afloramento de pegmatito, emergente, insólito, no estendal de areia.
Aquele rochedo estranho, contrastando com a monotonia selvática da paisagem, enche a imaginação do sertanejo bronco, atribuindo-o ao labor do velho holandês, numa obstinação que se perpetua em gerações sucessivas.
Enigmáticas inscrições, feitas e limonites, toscas, desordenadas, comuníssimas nos sertões e, possivelmente, o índice de fontes de água dos antigos povoadores, mais concorre para que a gente da ribeira viva num sonhar perene com o fabuloso arcano de pedrarias e oiro que o batavo tivesse, avaramente, acumulado no arcabouço do navio fantasma.
Um mais afoito, crente na fantasmagoria de um sonho, arremeteu, à dinamite, contra incógnita de pedra, na esperança de encontra-la escalvada e prenhe do cabedal lendário.
Cedeu a rocha ao dinamismo da pólvora, esborou-se a prôa em estilhaços e como ela as esperanças dessa aventura louca.
O enigma de pedra, acrescido, agora, de mais esta legenda, permanece inabalável, aproando para a Fonte de Serrinha, oásis único naquele Saara, qual fanal e guia do rude caminheiro, martirizado pelo latego impiedoso da canícula..."
O artigo acima, apresenta uma faceta do espírito investigador de Ruber, quando vai pesquisar na terra de Garanhuns, os elementos de sua riqueza mineral.
Fechado e introspectivo para muitos, conforme o seu perfil, Ruber, no entanto, é também poeta, e enaltecendo a sua cidade, ele escreve para o "Álbum de Garanhuns", em 1922, os seguintes versos:
GARANHUNS
"Alcandorado no pendor de um monte,
um casario a se elevar do barro.
Ruas em fila. A Catedral defronte,
artéria longa em torcicolo charro.
De grande nada, nem jardim, nem fontes,
Nem catadupa, nem grotão bizarro,
Vida bucólica. O gemer de um carro...
- De minha terra mais não sei que conte.
Mas um porvir, que meu sentir anhela.
Já que o Progresso por aqui radica -
Talvez descreva Garanhuns mais bela.
E que seus filhos amanhando a terra,
hão de faze-la grande e forte e rica
Como os tesouros que seu solo encerra".
Casado com a Sra. Dilênia Boulter van der Linden, veio a falecer em sua terra natal, em 19 de janeiro de 1947, aos quarenta e nove anos, deixando os seguintes filhos: Edson, Gicelda, Haeckel, Camilo Alberto e Isolda.
Ruber van der Linden, está hoje imortalizado no Grêmio Cultural que tem o seu nome, abrigando os homens de inteligência e cultura da terra de Simôa Gomes.
Anos depois, o Governo Municipal, quando transformou o antigo "Pau-Pombo", antiga nascente de água potável da Empresa de Melhoramentos, num atraente parque turístico, preservando a área verde da cidade, deu-lhe o nome de "Parque Ruber van der Linden". Não ficou no esquecimento quem muito fez pela sua cidade e pela comunidade. Fonte: Alfredo Vieira | Garanhuns do Meu Tempo | Ano 1981.
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