terça-feira, 16 de abril de 2024

Festas juninas em Garanhuns


Dumuriê Vasconcelos*

Outrora, em Garanhuns, rara era a casa de família que não acendia uma fogueira à porta, em torno da qual grupos de pessoas se reuniam, em festiva algazarra, soltando fogos, assando milho verde e batata doce, indiferentes todos à chuva fina que  caía. Crianças soltavam estrelinhas e moças faziam adivinhações. Os céus nevoentos da cidade se enfeitavam de balões coloridos e de fogos de artifício. Pairava pelo ar uma fumaça intensa, provocando lágrimas na gente, mas ninguém falava em poluição. Em todos os lares a mesa era farta, sempre à espera de amigos e convidados. Havia comidas saborosas e variadas, como canjica, pamonha, bolos, pés-de-moleque, milho assado e cozido, etc. Bebiam-se licores de todos os sabores e fragrâncias: de jabuticaba, de jenipapo, de pitanga, de uva, e de quantas variedades existiam. Ao som da sanfona, dançava-se a quadrilha em sala espaçosa. As moças vestiam-se de chitas bonitas e pintavam as faces de vermelho, conduzindo nos cabelos flores naturais ou galhos de manjericão. Os rapazes usavam camisas berrantes e vestiam calças de brim apertadas no tornozelo, com remendos fictícios. Não passavam de matutas e matutos sofisticados. 

O francês declamado na quadrilha era o mais estropiado possível. Casas familiares havia que ostentavam altares adornados de finas rendas, contendo as imagens de São João e São Pedro cercadas de velas acesas e de flores perfumadas. Aí, os atos religiosos precediam sempre aos festejos profanos. O SPORT e a AGA realizavam bailes matutos, com músicas apropriadas. Em certa ocasião, o presidente da AGA era o Sr. Alfredo Leite, proprietário dos ônibus do Arraial (Heliópolis). Homem austero e pontual. O salão da AGA já estava cheio e a mocidade impacientemente para começar o baile. O Sr. Alfredo Leite, após consultar o relógio, afirmou: "Pelo meu cronômetro, ainda falta um minuto". Decorrido esse tempo, o Sr. Alfredo virou-se para o músico Luiz Figueiredo, regente da "Jazz Band Carlos Gomes" e disse: "A batuta, maestro!" Aí o baile começou e foi muito animado. O Sr. Alfredo Leite sempre foi um homem de bem e de atitudes fora do comum. Certa vez ele foi nomeado Comissário de Polícia da Boa Vista. Nessa oportunidade, ele se viu às voltas com uma briga de duas mulheres por causa de uma galinha. Uma das mulheres afirmava que a galinha lhe pertencia, e que a ave havia penetrado no quintal da vizinha por um orifício na cerca. A outra mulher sustentava que havia comprado  a galinha na feira. Como resolver a questão? O Sr. Alfredo Leite perguntou, a uma das mulheres, se a galinha realmente era dela. Ela respondeu afirmativamente. Então o Sr. Alfredo perguntou à mulher se ela poderia lhe dar de presenta a galinha. A mulher respondeu que era um prazer dar a galinha aquela autoridade. O Sr. Alfredo despachou a mulher dizendo: "A penosa agora é minha. Pode ir embora". De igual maneira procedeu com a outra mulher. Ela também afirmou que a galinha lhe pertencia, e que se sentiria honrada em dá-la de presente ao Comissário. O Sr. Alfredo tornou a dizer: "A penosa agora é minha. Pode ir embora". Quando as duas mulheres deixaram o Comissariado, o Sr. Alfredo Leite levou a galinha para o meio da praça da Boa Vista e fez um leilão. O dinheiro que ele apurou na galinha, foi honestamente recolhido aos cofres da Sociedade Beneficente São Vicente de Paulo. Sabedoria digna de rei Salomão. Voltemos aos festejos juninos. Havia antigamente em Garanhuns, uns festejos denominados "côcos", que se realizavam nos pontos extremos da cidade. Lembro-me de um "côco" que presenciei em companhia de Jaime Luna e do escoteiro Adeildo, lá pras bandas do Arraial. Realizou-se este "côco" numa noite de São João, em casa modesta, iluminada a carbureto. O piso era de terra batida e, de vez em quando, se aguava a sala para assentar a poeira. O teto era enfeitado de bandeirinhas de papel-de-seda, de cores diferentes, em linhas paralelas. A sala estava cheia de moças e rapazes, de condições humildes, que formavam um grande círculo. No meio desse círculo, uma morena bonita tirava uns versos brejeiros, que diziam assim:

"Carneiro macho não berra

E bode morre berrando

Eu, quando me casar,

Vou-me peneirando".

Os demais componentes do grupo repetiam, em coro, o último verso, batendo com os pés no chão, levantando poeira:

"Vou-me peneirando; Vou-me peneirando"

Como eram boas as festas juninas dos meus verdes anos. Grandes tempos que não voltam mais! (Jornal O Monitor - 05/06/1976).

Foto: Antiga Praça Sérgio Loreto (Atual Praça João Pessoa) na década de 1920. / Créditos da foto Blog do Iba Mendes.

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